quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O QUINZE APRESENTADO NO JORNAL NACIONAL, AS SECAS DO NORDESTE, CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO


CASA DE RAQUEL DE QUEIROZ HOJE MUSEU EM QUIXADA-CE










VÍTIMA DA SECA DE 1877.

As grandes secas do Nordeste

  • 1583/1585 - Primeiro relato da seca nordestina feita pelo padre Fernão Cardim: "…uma grande seca e esterilidade na província e que 5 mil índios foram obrigados a fugir do sertão pela fome, socorrendo-se aos brancos". Grandes perdas de cana e aipim.
  • 1606 - Região NE
  • 1615 - Região NE
  • 1652 - Região NE
  • 1692/1693 - A capitania de Pernambuco é atingida por "peste". Frei Vicente do Salvador relatou que indígenas, foragidos pelas serras, reuniram-se em numerosos grupos e avançaram sobre as fazendas das ribeiras.
  • 1720/1721 - Seca com gravíssimas consequências sobre as províncias do Ceará e do Rio Grande do Norte.
  • 1723/1727 - Grande seca que matou quase a totalidade dos escravos da região. Segundo Irineu Pinto, fiscais da Câmara pediram ao rei o envio de escravos.
  • 1736/1737 - Região NE
  • 1744/1745 - Grande desnutrição infantil assola a região.
  • 1748/1751 - Região NE
  • 1776/1778 - Seca e surto de varíola na região NE, com alto índice de mortalidade humana e animal (gado bovino) na caatinga. A Corte Portuguesa determina reunião de flagelados nas margens dos rios para repartição de terras adjacentes.
  • 1782 - Censo determina população de 137.688 habitantes atingida por seca.
  • 1790/1793 (1791-1792 ?) - Chamada de "grande seca" pelos velhos sertanejos foi também a seca dos pedintes. Uma Pia Sociedade Agrícola foi criada como a primeira organização de caráter administrativo assistencialista. O governo da metrópole estabeleceu um único corretivo, uma severa proibição ao corte das florestas. Segundo Euclides da Cunha, cartas régias de 17 de março de 1796, nomeando um juiz conservador de matas, e a 11 de junho de 1799, decretava que "se coíba a indiscriminada e desordenada ambição dos habitantes (da Bahia e Pernambuco) que têm assolado a ferro e fogo preciosas matas… que tanto abundavam e já hoje ficam à distâncias consideráveis, etc".[10]
  • 1808/1809 - Seca atinge Pernambuco na região do rio São Francisco. Quinhentas pessoas morreram de fome.
  • 1824/1825 - Seca e varíola juntas definem essa grande seca. Campos esterilizados e fome atingem engenhos de cana-de-açúcar.
  • 1831 - A Regência Trina autoriza a abertura de fontes artesianas profundas.
  • 1833/1835 - Grande seca atinge Pernambuco.
  • 1844/1846 - Grande fome. O saco de farinha de mandioca foi trocado por ouro ou prata.
  • 1877/1879 - Uma das mais graves secas que atingiram todo o Nordeste.[11] O Ceará, na época, com uma população de 800 mil habitantes foi intensamente atingido. Desses, 120 mil (15%) migraram para a Amazônia[12] e 68 mil pessoas foram para outros Estados. A seca foi considerada devastadora: cerca de metade da população de Fortaleza pereceu, a economia foi arrasada, as doenças e a fome dizimaram até ao rebanho. Um registro pictórico existe, uma família de retirantes é fotografada em uma estação ferroviária do Nordeste brasileiro (Ceará).
  • 1888/1889 - Lavouras destruídas e vilas abandonadas em Pernambuco e Paraíba. D. Pedro II criou a Comissão Seca (depois Comissão de Açudes e Irrigação), como resultado cria-se o projeto do Açude do Cedro[13] na cidade deQuixadá, no Ceará.
  • 1898/1900 - Seca atinge Pernambuco.
  • 1909 - O governo de Nilo Peçanha cria o Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS).
  • 1915 - O Presidente Venceslau Brás na seca de 1915 reestruturou o Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), que passou a construir açudes de grandes portes. Com temor de saques, Campos de Concentração no Ceará foram criados para isolar a população faminta e impedir-lhe o movimento em direção as cidades.
  • 1919 - O governo Epitácio Pessoa transforma o IOCS em DNOCS que recebeu ainda em 1919 pelo Decreto 13.687, o nome de Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) antes de assumir sua denominação atual, que lhe foi conferida em 1945 pelo Decreto-Lei 8.846 de 28 de dezembro de 1945, vindo a ser transformado em autarquia federal através da Lei n° 4229 de 1 de junho de 1963.
  • 1930 - Região NE
  • 1932 - Região NE. Reutilização dos Campos de Concentração no Ceará com plano de controle social.[14]
  • 1953 - Região NE
  • 1954 - Região NE
  • 1958 - Região NE
  • 1962 - Região NE
  • 1966 - Região NE
      • 1970 - Seguida pelo início da construção do rodovia Transamazônica durante o período do chamado Milagre Econômico. Ação do governo militar do Brasil visa entre outros objetivos transferência de parte da população mais pobre do NE para as margens extensas da rodovia Transamazônica. O projeto também contribuía para a ocupação territorial da Amazônia pelo Estado brasileiro. Hoje a Transamazônica encontra-se parcialmente transitável.
  • Década de 1980 - A década é considerada chuvosa, sendo marcada por apenas dois períodos de estiagem, correspondentes aos anos de 1982 e 1983.
  • Década de 1990 - Os anos de 1993, 1996, 1997, 1998 e 1999 foram anos sofríveis. Um apontamento de tendência de seca em 1998 antecedeu sua ocorrência graças a observação do fenômeno El Niño por meteorologistas, mas as ações de precaução e prevenção continuaram a serem pouco efetivas na mitigação dos problemas.
  • 2000 e 2001 - Anos de estiagem relativa.
  • 2007 - Seca na porção norte de Minas Gerais, considerada a mais grave já enfrentada pelo estado até então.[19]Praticamente não choveu na região entre março e novembro de 2007 e as precipitações seguiram-se abaixo da média climatológica até fevereiro de 2008.[20] Centenas de municípios entraram em estado de emergência, registraram-se 53 976 focos de incêndio (recorde histórico para o estado)[19] e 190 mil cabeças de gado morreram.[20]
  • 2012 - Seca na Região Nordeste, considerada a mais intensa das três décadas anteriores.[21] [22] [23]
  • 2014–2015 - Seca no Sudeste, responsável, em associação a fatores ligados à infraestrutura e planejamento, pela pior crise hídrica enfrentada pela região.[24][25]

A BOMBEIRA DE DOM PEDRO II:  EM 1856, MANDA IMPORTAR DROMEDÁRIOS E CAMELOS PARA O CEARÁ, COISA QUE NAO DEU CERTO. 
Pela primeira vez o governo tentou uma política de salvação para o sertão: dom Pedro II importou camelos do Saara. Porém, as raízes do problema eram mais profundas. Em número quase quatro vezes maior do que a população de Fortaleza, os proscritos da seca ocuparam a capital do Ceará. O resultado foram epidemias, fome, saques e crimes.

Assim, no dia 14 de setembro de 1859, Fortaleza recebia, estupefata, a chegada de 14 animais. Lógico que essa idéia nao deu certo os animais nao suportaram os pedregulhos.

Das grandes secas que assolaram o Brasil, uma das mais graves e lembradas foi aquela que compreendeu os anos de 1877 à 1879, ficando conhecida como a grande seca do Nordeste. Foram quase três anos seguidos sem chuvas, com perda de plantações, mortes de rebanhos e miséria extrema. A situação foi tão desesperadora, que famílias inteiras se viram obrigadas a migrar para outros estados, promovendo uma onda de imigrações.

O cenário ficou cada vez mais caótico, principalmente quando os retirantes chegaram em outras cidades e estados. Devido à miséria extrema das pessoas que chegavam, os moradores locais temiam saques no comércio e armazéns. Além disso, as cidades para as quais as vítimas da seca se dirigiam começaram a ficar cada vez mais apinhadas de flagelados. Fortaleza, por exemplo, converteu-se na capital do desespero. De 21 mil habitantes pelo censo de 1872 passaram a ter 130 mil.
Somando-se ao quadro caótico, os rebanhos de animais sobreviventes sucumbiram diante da ação de zoonoses, furtos, fome e sede. A flora e a fauna da região praticamente desapareceram. Por fim, para completar o quadro de tragédia, houve um surto de varíola, dizimando milhares de pessoas. Finalmente o governo imperial enviou ao Nordeste uma comissão de engenheiros para a perfuração de poços, construção de estradas de ferro e armazenamentos de água, para assim resolver o grande problema da seca.
Vítimas das secas de 1877/1878, no Ceará - Brasil. Foto: autor desconhecido, Biblioteca Nacional.
Vítimas das secas de 1877/1878, no Ceará – Brasil. Foto: autor desconhecido, Biblioteca Nacional.
Curiosidade:
Calcula-se que 500 mil pessoas morreram por causa da seca, em que o Estado mais atingido foi Ceará. O imperador dom Pedro II foi ao Nordeste e prometeu vender “até a última joia da Coroa” para amenizar o sofrimento dos súditos da região. Não vendeu, porém enviou engenheiros para a construção de poços.
Alguns anos depois da primeira grande seca no século XIX, em 1915 um novo episódio assolou o sertão nordestino. Mais uma vez, a nova seca fez com que diversos nordestinos migrassem para as grandes cidades, porém, ao contrário do primeiro episódio, o governo cearense resolveu se precaver de uma maneira desumana. Desta feita, o governo criou os primeiros currais humanos, campos de concentração em regiões separadas por arames farpados e vigiadas 24 horas por dia por soldados para confinar as almas nordestinas retirantes castigadas pela seca.

Notícia sobre o Campo de Concentração dos Flagelados, publicada no Jornal O POVO, em 16/04/1932
Cerca de 17 anos mais tarde, em 1932, foi a vez de reabrir o campo de concentração de Otávio Bonfim e criar novos currais humanos. Naquele ano, outra grande seca castigou novamente o sertão nordestino, fazendo com que, mais uma vez, milhares migrassem para os grandes centros urbanos. Após dezessete anos, nem o governo federal, nem os governos estaduais haviam se precavido para diminuir os efeitos da seca e a solução, novamente desumana, passou a ser a criação e ampliação dos campos de concentração nordestinos.Pela segunda vez, foram erguidas regiões cercadas por arames farpados e vigiadas diariamente por soldados para confinar os nordestinos afetados pela seca. Corpos magros, de cabeças raspadas e numeradas se apinhavam aos montes dentro dos cercados de Senador Pompeu, Ipu, Quixeramobim, Cariús, Crato (ou Buriti, por onde passaram mais de 65 mil pessoas) e o já conhecido Otávio Bonfim, os maiores currais humanos instalados no Brasil para conter a massa castigada pela seca dos anos de 1915 e 1932.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Oswaldo Cruz, o homem que venceu o ‘Aedes’


Sanitarista enfrentou indignação popular até erradicar epidemia de febre amarela


 Partida de uma turma do Departamento de Saúde Pública para isolamento de pacientes: cidade foi dividida em distritos sanitários e recebeu delegacias especiais para contabilizar a população contaminada - ACERVO DA CASA DE OSWALDO CRUZ

RIO— Fábrica de moléstias, túmulo de estrangeiros. No início do século XX, o Rio andava mal de saúde. Os jornais estrangeiros mostravam como a antiga capital do Império capengava para uma República autoritária, economicamente instável e, principalmente, incapaz de conter uma velha chaga — a falta de higiene. A febre amarela, a varíola e a peste bubônica encontravam terreno livre para se proliferar entre os cortiços amontoados próximo à zona portuária. A cidade só começou a melhorar quando, em 1903, o governo federal deu carta branca para o sanitarista Oswaldo Cruz varrer os focos das doenças. Ele tirou da cartola modos controversos para erradicar os males cariocas. Muitos não se encaixam no Brasil atual, acometido pelo vírus zika, mas a maior lição deveria ter sido aplicada há tempos: não há mal que dure quando seu vilão — o mesmo de sempre, o mosquito Aedes aegypti — é combatido sistematicamente, e não apenas nos momentos mais graves.

À frente do Departamento Nacional de Saúde Pública, Oswaldo Cruz criou brigadas à moda militar para invadir casas, levou vacinadores para as ruas e incitou a população a capturar ratos. Em 1904, logo depois de assumir a direção do órgão, enfrentou uma revolta popular e a chacota de intelectuais e da imprensa. Mesmo com a legião dos resistentes, o sanitarista conseguiu erradicar a forma epidêmica da febre amarela em quatro anos. Ganhou medalha de ouro em uma feira internacional e voltou ao país reconhecido como herói. Não demorou, no entanto, para que o descuido resultasse em um novo surto da doença. Em menos de duas décadas, o Aedes levou o Rio de volta para o hospital. E outras epidemias ocorreram desde então.

É claro que existe uma responsabilidade pessoal e a população deve ser conscientizada, mas hoje o Estado deveria ser mais presente.

BRIGADAS CONTRA CORTIÇOS

O sanitarista dividiu a cidade em dez distritos e criou “brigadas mata-mosquitos”. Seus funcionários identificavam os locais insalubres e julgavam se deveriam ser reformados ou demolidos. Cobriam as construções com panos para fumigar venenos. Limpavam calhas e todos os locais que poderiam servir como criadouros de mosquitos. Os moradores infectados eram internados em hospitais — a não ser os ricos, que podiam ser tratados em casa.

— As brigadas de Oswaldo Cruz e a reforma urbana do prefeito Pereira Passos no Centro da cidade empurraram a população para os morros e as áreas mais periféricas — conta Ana Luce. — Além dos “mata-mosquitos”, que combatiam a febre amarela, outros funcionários de saúde pública andavam pela cidade para aplicar a vacina obrigatória contra a varíola.

O arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti ressalta como as medidas determinadas pelo governo também podiam atingir o bolso dos cariocas.

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— O Estado exigia que a população limpasse as fossas. Isso provocava um grande custo aos moradores de cortiços, principalmente em um período de crise econômica — assinala. — O autoritarismo das brigadas de Oswaldo Cruz indignava as pessoas. Desde a primeira Constituição brasileira, em 1824, a casa sempre foi considerada um local inviolável, a não ser em momentos de guerra ou Estado de sítio. A campanha de higienização não se enquadrava nestes quesitos. Isso jamais poderia acontecer hoje.

Historiadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, Isabel Lustosa lembra de outro papel dos projetos governamentais. Além de erradicar as doenças da cidade, era importante varrer os miseráveis do Centro da cidade.

— A população negra e pobre não podia ser vista pelos estrangeiros — conta. — A erradicação dos mata-mosquitos e o bota-abaixo de Pereira Passos faziam parte do conceito de civilização. O Rio deveria perder sua cara africana e tornar-se mais arejado e europeu.

A prevenção obrigatória contra a varíola foi o estopim de uma rebelião contra o trabalho de Oswaldo Cruz. Casas eram invadidas e demolidas por causa do Aedes, e as mulheres queixavam-se de ter que mostrar o braço para os vacinadores da varíola, um atentado à moral da época.

— O ápice da resistência foi a Revolta da Vacina, em 1904, em uma semana onde houve até tentativa de golpe — destaca a historiadora Ana Luce Girão. — A Escola Militar se sublevou, os intelectuais criaram uma liga contra a vacina obrigatória. Houve pessoas deportadas para o Acre. A obrigatoriedade da vacina foi revogada, mas quatro anos depois os cariocas recorreram a esta forma de prevenção, quando houve um novo surto de varíola.

O terceiro front de Oswaldo Cruz era o combate à peste bubônica, uma doença transmitida pela pulga dos ratos que infestavam o porto do Rio. O sanitarista incentivou a população a entregar roedores ao seu instituto em Manguinhos. Pagava um preço irrisório, mas o suficiente para que diversas pessoas começassem a criar os animais para depois vendê-los.

A estratégia foi tema da marchinha “Rato rato”, no carnaval de 1904. A finalidade capitalista fica clara nos versos finais da música: “Rato velho como tu faz horror / Não valerá teu qui-qui / Morrerás e não terás quem chore por ti / Vou provar-te que sou mau / Meu tostão é garantido / Não te solto nem a pau”.

Oswaldo Cruz era retratado com deboche na imprensa como o general da saúde, o “último mártir da ciência”. Ele só conquistou o respeito da opinião pública a partir de 1906, quando a epidemia de febre amarela começou a ser contornada.

— Com o gradual desaparecimento da epidemia, foi reduzida a resistência a ele — diz Ana Luce. — Nos primeiros anos de sua gestão, ele aparecia nas revistas como um cruzado, um general com pessoas ajoelhadas aos seus pés. Com o sucesso de seus projetos, ele passou a aparecer mais risonho nas ilustrações.E


O divisor de águas foi uma exposição sobre higiene e demografia em Berlim, em 1907. Oswaldo Cruz impressionou seus colegas estrangeiros ao apresentar os projetos que realizou no Rio.

Ana Luce concorda que as práticas de Oswaldo Cruz jamais poderiam ser aplicadas no Rio do século XXI, mas contesta seu julgamento como uma pessoa autoritária. O controverso dominador do Aedes, vilão e idolatrado, mostrou-se um personagem mais complexo do que o conhecido há mais de um século pelos cariocas.

— Ele tinha que assumir aquele trabalho. Não havia como dizer à população que ela estava doente e deveria sair de casa e aceitar sua demolição — avalia. — Não podemos julgar Oswaldo Cruz aos olhos de hoje. Era um homem pragmático, muito bem relacionado com os cientistas e autoridades, que se reportava diretamente ao presidente. E, na correspondência com a família, era muito afável.

domingo, 27 de dezembro de 2015

Fosfoetanolamina sintética: a oferta de um milagre contra o câncer


Um químico afirma ter encontrado a cura do câncer, mesmo sem ter provas. E sugere aos pacientes que larguem outros tratamentos
MARCELA BUSCATO, DE SÃO CARLOS, E ANA HELENA RODRIGUES. COM ARIANE FREITAS
17/10/2015 - 00h11 - Atualizado 22/12/2015 17h05

O administrador de empresas Oswaldo Luiz Silva Neto, de 61 anos, mora a dois quarteirões do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, na capital paulista, uma referência no tratamento da doença. Mas viajou 240 quilômetros, em direção a São Carlos, no interior do Estado, para buscar ajuda. Desde que descobriu um tumor de 3,8 centímetros no esôfago, no fim de setembro, Silva Neto vasculha a internet em busca de informações sobre a doença. Encontrou notícias e grupos em redes sociais a respeito de uma substância que tem o poder, segundo seus defensores, de fazer tumores regredirem. Alguns a apelidaram de “fosfo” (mais fácil de dizer que fosfoetanolamina sintética).

Ela é fabricada num laboratório do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) no campus de São Carlos, para onde Silva Neto viajou na quinta-feira passada. Seu médico, na capital, recomendou cirurgia. Com sorte, pode bastar para livrá-lo da doença, já que o tumor não se espalhou. Depois de ler relatos quase milagrosos de gente com câncer terminal que vive anos à base da fosfo, Silva Neto decidiu tentar a sorte. “Quero tomar esse remédio e evitar uma cirurgia. Enquanto espero marcarem a operação, vou tomando. Se o tumor regredir, posso optar por não fazê-la”, diz. O médico dele, sua irmã, que é médica, e a mulher, também da área da saúde, não sabiam de sua viagem a São Carlos. Ele sabe que a decisão é controversa.

A fábrica improvisada das cápsulas azuis e brancas, que se tornaram famosas no boca a boca, fica no pequeno laboratório do Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros. Um único funcionário da USP é encarregado de produzi-las. No início dos anos 1990, a fosfo despertou a atenção do então coordenador do laboratório, o químico paulista Gilberto Orivaldo Chierice, de 72 anos, hoje professor aposentado. “Acho que é uma cura para o câncer”, diz Chierice, descascando o fumo de corda que usaria no cigarro que segurou durante toda a entrevista a ÉPOCA.


POLÊMICO
O químico Gilberto Chierice no laboratório de sua empresa. Ele diz ter descoberto a cura do câncer (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)

Seria uma notícia extraordinária, não houvesse um grande problema. A substância nunca passou das etapas mais básicas de pesquisa: alguns estudos feitos com camundongos e células humanas, cultivadas em placas de laboratório e transferidas para roedores. São estágios muito iniciais de avaliação, insuficientes para assegurar sua eficácia e afastar possíveis riscos à saúde (leia o quadro abaixo). Em 1996, o Instituto de Química firmou um convênio com o Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, para estudar “novas moléculas para disfunções celulares”. Mas o hospital não tem registro de estudo com a fosfo. Nunca foram feitos testes clínicos da substância, em um grande número de pacientes, sob o controle de médicos e pesquisadores. Testes assim são fundamentais e exigidos por leis para que um composto seja considerado medicamento. É um padrão internacional. A fosfo não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária nem pode ser distribuída ou vendida como remédio no Brasil. Mesmo assim, por razões que a USP não explica, a fosfo era distribuída abertamente, há mais de 20 anos, às portas do Instituto de Química em São Carlos, para pacientes em busca da “cura” do câncer. “Não estamos autorizados a falar sobre isso”, diz Helena Ferrari, assistente de direção da unidade. Questionada pela reportagem, a reitoria da USP não tinha explicação para o ocorrido, até a tarde de sexta-feira. Em uma nota, a USP concorda que a fosfo não é um medicamento reconhecido e afirma estar verificando “o possível envolvimento de docentes ou funcionários na difusão desse tipo de informação incorreta”.

O caminho de um remédio (Foto: Revista ÉPOCA/Reprodução)


Na semana passada, Helena e o vice-­diretor do Instituto de Química, Éder Cavalheiro, tentavam controlar, sob as vistas da Polícia Militar, cerca de 20 pessoas que se aglomeravam na frente do Instituto em busca das cápsulas. Vários vinham de outros Estados, como Paraná e Minas Gerais. A procura aumentou desde que a história ganhou destaque no noticiário, na semana passada. A distribuição, que estava proibida pela universidade desde junho de 2014, foi liberada provisoriamente (até julgamento) por uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.

A decisão, de 6 de outubro, abre a possibilidade de pacientes de câncer terem direito de acesso à fosfo. Centenas já haviam requerido acesso, negado, pelo desembargador José Renato Nalini, no Tribunal de Justiça de São Paulo. O argumento era factual: “Não há nenhuma prova de que, em humanos, a substância reclamada, que não é um remédio, produza algum efeito no combate a doen­ças”. Desde o dia 6, pacientes que exigem a substância da universidade conseguem esse direito. “Dá para entender o que passa na cabeça do juiz numa hora dessas”, diz Fernando Aith, professor da Faculdade de Medicina da USP. “É o entendimento de que as pessoas merecem manter o direito à esperança.”

Tal esperança é alimentada por relatos de cura nas redes sociais. O debate guarda semelhança com uma crença religiosa. É compreensível, diante do medo causado por um diagnóstico de câncer. Nos casos em que os médicos informam que nada mais podem fazer, é natural que o paciente procure qualquer opção. A Sociedade Americana de Oncologia Clínica estima que 80% dos pacientes recorrem a um tratamento alternativo. O risco é quando pessoas com boas chances de recuperação abrem mão do tratamento-padrão para se arriscar em terapias não comprovadas. O paciente perde um tempo precioso de tratamento. E, nos grupos de discussão na internet, é disseminada a ideia de que a substância deve ser usada sozinha, não junto com tratamentos tradicionais, como a quimioterapia.


ESPERANÇA
O administrador Oswaldo Luiz Silva Neto, de 61 anos. Ele espera que a fosfo livre-o de uma cirurgia (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)

Chierice, o “pai” da fosfo, confirma essa orientação perigosa. “Em pacientes em quimioterapia não funciona porque o sistema de defesa do corpo deve estar fortalecido”, diz, sem ter nenhum estudo publicado que comprove a afirmação. Pesquisadores que publicaram estudos com Chierice discordam. O especialista em imunologia Durvanei Maria, do Instituto Butantan, testou a fosfo em animais e células humanas. Confia no potencial da substância como medicamento. Mas não recomenda seu uso antes que testes sejam feitos, nem acha que ela, caso vire remédio, deva substituir a quimioterapia.

"A abordagem de Chierice é de um milagreiro”, afirma o jornalista Alceu Castilho, de 45 anos. O pai dele morreu de câncer, em 2009, dois meses depois de descobrir a doença. Como o câncer estava em estágio avançado, os médicos haviam sugerido apenas cuidados paliativos, para dar conforto. O pai de Castilho quis tentar as cápsulas e recusou qualquer outro tipo de intervenção. “Ele teve um final de vida com muita dor”, diz Castilho. “Esse irresponsável está jogando com a esperança e a vida das pessoas.”


DÚVIDA
A analista fiscal Katia Pompilio, de 43 anos. Ela cogita parar a quimioterapia para usar a substância da USP (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)

Se a crença no poder de cura da fosfo é quase uma religião, Chierice é Deus para seus defensores. Ressalvas à falta de estudos da substância são tomadas como uma tentativa da “indústria” de esconder da população a descoberta da cura do câncer. Chierice é tratado como um abnegado e injustiçado. Filho de um fazendeiro de Rincão, São Paulo, estudou química na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Fez mestrado e doutorado na mesma área, na USP. Nos anos 1970, virou professor da instituição em São Carlos. Agora aposentado, é dono de uma fábrica de impermeabilizante e de uma empresa que faz enxertos ósseos com um polímero, ambos produtos criados por ele. “Sempre quis ser médico”, diz Chierice. “Quando era criança, via aquela pessoa de avental para cá e para lá, pesquisando, e achava que todo pesquisador tinha de ser médico.” Chierice, a seu modo, nunca deixou a medicina de lado. E entende a gravidade do que faz. “Eu sabia que estava interferindo em recomendações médicas. Sempre pensei que, mais cedo ou mais tarde, seria preso por exercício ilegal da medicina”, afirma. “Mas, se eu não distribuir o remédio, quem pensaria nos cancerosos?”

A analista fiscal Katia Pompilio, de 43 anos, dirigiu mais de 200 quilômetros, na quinta-feira, de Osasco, onde mora, até São Carlos, com uma liminar da Justiça. Estava autorizada a pegar as cápsulas. Mas não conseguiu. Haviam acabado. Há um ano, Katia trata de um câncer de mama, seguindo o roteiro reconhecido: cirurgia, químio e radioterapia. Agora, considera parar o tratamento para tentar a fosfo. “Conheço casos de pessoas que pararam, tomaram a fosfo e melhoraram”, diz Katia. Ela considera a possibilidade de tentar a químio e a fosfo juntas. “O que você faria?”, diz, com lágrimas nos olhos.

Chierice conheceu a fosfo quando pesquisava substâncias que servissem para apontar o mineral cálcio nas soluções do laboratório. Leu estudos internacionais que mostravam a presença marcante de fosfo em células cancerígenas. Ficou intrigado e aventou a hipótese de a substância, produzida naturalmente pelo corpo, fazer parte de um sistema de defesa anticâncer do organismo. Em parceria com outros cientistas, publicou alguns estudos básicos, mas diz não ter conseguido despertar interesse de instituições capacitadas para fazer testes. “É preciso ter evidências e estudos adequados para comprovar para a comunidade científica e para o comitê de ética das instituições que você está lidando com algo relevante”, diz a farmacêutica Vilma Regina Martins, superintendente de pesquisa do hospital A.C. Camargo, em São Paulo. “Há milhares de substâncias que inibem a proliferação das células cancerígenas, mas 90% caem por terra (durante os testes clínicos).”


BUSCA Pacientes e familiares na USP em São Carlos, à espera das cápsulas de fosfo. Na quinta-feira, dia 15, logo de manhã, as cápsulas haviam acabado (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)

Pesquisadores que trabalharam com Chierice não questionam seu caráter. Mas também reconhecem que os estudos são insuficientes. “O professor Gilberto é uma pessoa maravilhosa. Está pensando nos pacientes. Mas são necessários mais estudos”, diz o farmacêutico Adilson Kleber Ferreira. Ele pesquisou a ação anticâncer da fosfo no Butantan, com animais. “Existem milhares de outras substâncias em teste, com resultados tão bons ou melhores.”

Na quarta-feira, dia 14, Chierice foi homenageado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, com uma medalha. Viajou a convite do deputado estadual Marlon Santos (PDT-RS), que defende a fabricação da fosfo por uma empresa do governo gaúcho. O deputado é um médium e foi preso em 1998, por exercício ilegal da medicina, ao realizar cirurgias espirituais.

O Brasil é uma piada



 Está a ficar difícil para o humor brasileiro ter mais piada do que a realidade. Um teste? Tentem diferenciar o verdadeiro do inacreditável nos seguintes acontecimentos:
1. Ministra da Agricultura atira vinho à cara de senador depois de ter sido chamada de namoradeira.
2. Polícia descobre macumba em casa do ex-presidente Collor.
3. Eduardo Cunha tem Porsche em nome de Jesus.com.
4. Dilma quer armazenar vento.
5. “Aceito tudo, mas me tocar, não”, diz deputado durante briga parlamentar.
Resposta certa: é tudo verdade.
“O Brasil é absurdo desde o descobrimento, né?”, observa Leonardo Lanna, um dos quatro autores do Sensacionalista, site que vive de inventar bobagens a partir do que é notícia. “A forma como contaram a história para a gente é absurda. Dizem que foi um erro de rota, que Cabral errou o caminho e veio parar aqui.”
Se o Brasil tem motivos para rir há 515 anos, o momento actual é especialmente absurdo. O político mais poderoso encontra-se sob investigação por suspeitas de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, foi alvo de buscas policiais, mas permanece intocável num dos cargos mais consequentes para os destinos do país, ao ponto de ter accionado um processo de destituição (impeachment) contra a Presidente Dilma Rousseff. Há meses que o Brasil é refém das motivações pessoais e abuso de poder de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, assistindo ao relato dos seus subterfúgios legislativos para ganhar aliados, para pressionar e punir adversários, para liquidar qualquer inquérito parlamentar sobre a sua conduta. Não há subtileza no calculismo sujo e brutal de Cunha, mas ainda assim ele assume com tranquilidade o protagonismo do noticiário – sorrindo, sorrindo sempre.
Só em Dezembro, o Brasil viu parlamentares dar cabeçadas em colegas, uma carta do vice-presidente Michel Temer para Dilma queixando-se de ser tratado como uma figura meramente decorativa dentro do governo, um gigantesco pato de borracha amarelo desfilar nas manifestações a favor doimpeachment em São Paulo, a ministra da Agricultura atirar vinho à cara do senador e ex-candidato presidencial José Serra numa festa. “As situações são das mais absurdas que não dá para competir com essa realidade. É uma piada por dia. Uma piada pronta, já”, diz Leonardo Lanna, 36, no seu apartamento em Botafogo. É uma péssima altura para ser cidadão, mas a melhor altura para ser humorista.
Espécie de irmão brasileiro do Inimigo Público, o Sensacionalista define-se como “um jornal isento de verdade”. “Apesar de não sermos um jornal – somos um site de humor –, a gente funciona com a lógica de um jornal que é baseado em factos. A gente de manhã dá uma olhada no que está acontecendo, no que as pessoas estão falando, e produz piada em cima disso. A gente depende da notícia para gerar notícia. As pessoas cobram, né? Elas meio que esperam que o Sensacionalista se pronuncie sobre qualquer coisa que aconteça.”
Notícia de 25 de Dezembro: “Menino que pediu bicicleta e ganhou bola pede oimpeachment do Papai Noel”.
“Acho que é uma característica brasileira, levar tudo na piada. Já de muitos anos”, diz Leonardo Lanna.
Uma estratégia de sobrevivência?
“Acho que sim. Rir para não chorar.”
Uma ópera bufa
Há duas semanas, um terço da primeira página do Estado de São Paulo era ocupado pela fotografia de meia centena de homens de punhos no ar e grito na boca, segurando a bandeira do Brasil, tirando selfies, num ambiente de pura vitória. Dir-se-ia a bancada de uma torcida futebolística, mas os celebrantes estão de fato e gravata; alguns seguram bonecos de cartão do ex-Presidente Lula da Silva, vestido de presidiário. São deputados da oposição mais belicosa ao Governo e ao Partido dos Trabalhadores (PT) e festejam uma derrota de Dilma na contagem decrescente para o impeachment. Pouco importa que isso tenha custado uns quantos atropelos à democracia representativa, pouco importa que o resto do país estivesse a ver, entre o incrédulo e o nauseado, o seu parlamento virar um circo. Teve quebra de urnas e briga feia entre deputados, o áudio do canal de televisão que transmite os plenários em directo foi mandado cortar, a eleição da comissão especial de deputados que irá avaliar o impeachment de Dilma foi feita à revelia dos regulamentos. (O Supremo Tribunal Federal, última instância da razoabilidade constitucional, anulou, mais tarde, a eleição, que terá de ser repetida de acordo com as regras).
“A única maneira de tratar uma coisa como essa é com sátira, né?”, diz João Moreira Salles, 53, que em 2009 criou o Piauí Herald, outro pioneiro de notícias satíricas.
“Como é que você vai tratar isso de maneira séria? Boneco do Lula dentro do plenário, sujeitos se estapeando... Tratar isso a sério é não entender a gravidade do que está acontecendo. Tratar isso como patético, como ridículo, é dar a verdadeira dimensão desse circo.”
Mas o que resta a um humorista quando o ponto de partida, a realidade em cima da qual tem de criar, já é patético? “O humor é sempre um exagero da normalidade. Então, como a nossa normalidade já virou uma ópera, a gente tem de ser uma ópera bufa”, ri-se. “Você tem de dar um dó de diva, de Maria Callas, para conseguir estar à altura de um negócio como esse. Realmente, é difícil porque as pessoas estão exagerando no absurdo em cena todo o santo dia. Mas, por outro lado, é mais fácil do que fazer humor na Suíça, suponho. No Brasil pelo menos tem isso.”
Notícia de 17 de Dezembro: “Novo Guerra das Estrelas revela que Darth Vader é pau mandado de Eduardo Cunha”.
O Piauí Herald faz parte da revista de jornalismo literário Piauí, inspirada naNew Yorker. João Moreira Salles criou o Herald para “tirar o fraque da revista e colocar uma bermuda”. A nova redacção fica no segundo andar de um renovado prédio em Ipanema, pertencente à família Moreira Salles, a mais rica do Brasil, detentora do Itaú Unibanco e com um forte perfil filantrópico voltado para a cultura, traduzido no Instituto Moreira Salles, em salas de cinema de autor, em doações para museus, em revistas como a Piauí. João Moreira Salles, irmão do realizador Walter, é documentarista. O seu nome aparece modestamente entre os redactores na ficha técnica da Piauí, apesar de ele ser mais do que isso. O Herald, explica, surgiu como “um antídoto à seriedade excessiva do jornalismo brasileiro”. “Seriedade no mau sentido da palavra: são muito opinativos, com certezas inabaláveis.” O Herald começou por ser uma rubrica na revista impressa, alimentada pelo próprio João Moreira Salles durante dois anos. A seguir, passou o bastão a Renato Terra, 34, que até hoje assegura, anonimamente (o director de redacção do Herald é um tal de Olegário Ribamar, que, tanto quanto de sabe, nunca existiu), doses diárias de notícias bem-humoradas no site da Piauí e cuida da sua amplificação nas redes sociais, em particular Facebook e Twitter. O site tem, em média, um milhão de page views por mês; o Herald é responsável por 50 a 60% dessas visitas.
Em 2011, João Moreira Salles passou seis meses nos Estados Unidos a dar aulas na universidade de Princeton. “Todo o dia eu lia o Piauí Herald. E eu voltei sabendo exactamente o que tinha acontecido no Brasil. Não perdi nada. Porque tem um pouco o efeito da caricatura. A caricatura exacerba os traços característicos de alguém. Ela parte do mundo real e exacerba a verruga, o nariz grande, a orelha deformada. O Herald meio que faz isso”, diz.
2015 termina com as feições de um ano para esquecer. Muitos dos comentários e desabafos de brasileiros no Facebook por estes dias soam como o coro de um povo biblicamente martirizado, ansioso por um virar de página. Quem os ouvirá na hierarquia de Brasília?
“Sou muito céptico em relação aos próximos dois, três anos do Brasil. Sou muito optimista em relação ao que será o país dentro de cinco, dez anos. Mas vai piorar muito antes que melhore”, prevê João Moreira Salles. Aviso: a conversa que se segue não tem piada. O sereno João acredita que, qualquer que seja o desfecho do processo de impeachment – que irá prolongar-se, no mínimo, até Abril de 2016 – o Brasil “sai pior do que entra”.
Mesmo que Dilma consiga derrubar o impeachment e sobreviver, o seu governo continuará com dificuldades imensas em governar.
“O Clinton saiu mais fragilizado do processo de impeachment com uma economia que funcionava extraordinariamente bem, sendo um presidente popular. Mas o facto de ter sido submetido um impeachment evidentemente o fragilizou. Fragiliza qualquer Presidente”, diz.
“Digamos que o impeachment é derrotado por algo próximo da margem mínima. O processo não terá êxito porque Dilma conseguiu arregimentar uma maioria no Congresso. Isso, sim, a fortaleceria. Mas tudo indica que não é o que vai acontecer. Como é que ela se sustenta depois? Como é que ela vai passar reformas? Como é que ela evita que o Titanic afunde?”
O Brasil está uma bagunça porque o seu sistema político – o presidencialismo de coligação, que implica alianças partidárias para formar uma plataforma governativa – está falido, sentencia Moreira Salles. Favorece o clientelismo e a corrupção, favoreceu a emergência de uma figura como Eduardo Cunha, e a formação de “um Congresso de indomáveis, de piratas, querendo saquear tudo o tempo todo”, como resume Renato Terra.
“A desconexão é muito grande entre o sistema político e a sociedade brasileira”, diz João Moreira Salles. O embrião disso remonta às manifestações de Junho de 2013, que começaram por ser um protesto contra o aumento de tarifas nos transportes públicos e contra o encarecimento da vida dos brasileiros face aos gastos milionários do governo em estádios de futebol novos e até remotos para o Campeonato Mundial, e acabaram por ser um movimento de repúdio absoluto do sistema político.
“Você não podia aparecer com uma bandeira de partido, qualquer que fosse, que você era expulso. Havia ali uma afirmação de que o que se passa em Brasília já não nos diz respeito”, lembra Moreira Salles. “O resultado disso é que essas pessoas”, diz, apontando para a foto dos deputados insurgentes na capa do Estado de São Paulo de 9 de Dezembro,  “acabam indo para lá. São eleitas por um público menos politizado e que, por isso, vota no seu pastor ou naquele que faz uma política miúda de entrega disto ou daquilo pelo voto”. O Congresso é a expressão máxima da despolitização da política brasileira. “São pessoas que não têm nenhuma convicção, nem à esquerda, nem à direita. É um sujeito que é ministro da Dilma um dia e vai para a oposição no dia seguinte. Boa parte não tem uma ideia de Brasil, não tem um projecto para o país”, diz. “Estão ali para avançar os seus próprios interesses – não necessariamente interesses pessoais, mas os interesses do partido. O partido é uma carreira, o partido é uma profissão, o partido te dará um cargo de director na Petrobras, o partido te dará um emprego numa autarquia.”
Enquanto o Titanic afunda, eles fazem humor.
Renato – Tocando violino.
João – Tocando violino. Nós somos a bandinha.
Renato – A gente está fazendo marchinha de Carnaval.
João – Nós somos um grupo de chorinho, de marchinhas de Carnaval, no convés do Titanic. Já que se vai morrer, que se morra gargalhando.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Pouco preocupada com a seca do Nordeste, Dilma enche governadores de promessas mas só pensa em cuidar da vida dela

Por Thaisa Galvão

Brasil que não anda.
Há cerca de um mês, o presidente da Assembleia Legislativa Ezequiel Ferreira de Souza, no exercício do Governo enquanto o titular Robinson Faria cumpria compromissos no exterior, participou de uma reunião com a presidente Dilma Rousseff.
Presentes ainda os governadores de Pernambuco, Paraíba e Ceará.
Na reunião para tratar de ações urgentes nos Estados mais castigados pela seca, a presidente Dilma Rousseff só faltou prometer chuva. De resto, tudo ela prometeu.
Dias depois, já de volta, Robinson foi ao Planalto com todos os governadores.
Além de assinar um manifesto, junto a outros 15 governadores, de apoio ao mandato da presidente e contra o impeachment, o governador entregou os projetos necessários para executar no Rio Grande do Norte neste período de colapso por falta d’água.
Pois até agora, das promessas de Dilma, nada foi concretizado.
A presidente da República, pelo menos para o Rio Grande do Norte, continua a mesminha da campanha. Que disse que faria uma coisa e, ou não fez ou fez exatamente o contrário.
Agora para completar, o governo federal reduz repasses de Fundo de Participação dos Municípios e muitas prefeituras já anunciaram atraso nos pagamentos de salários.
Enquanto isso em Brasília, Dilma, a que só promete, continua mais preocupada em apagar o fogo do impeachment; em tirar Eduardo Cunha da presidência da Câmara; em queimar o vice Michel Temer e o presidente do Senado Renan Calheiros no fogo do inferno; em denunciar o presidente do DEM, José Agripino; em se livrar das ações do aliado Lula contra ela; em manter cargos para garantir governabilidade, mas sem governar; em interferir em lideranças de partidos; em rachar o PMDB; em impedir o recesso do Congresso…
E as populações dos estados que sofrem com a falta d’água e com a falta de ações do governo, que metam a cabeça na parede e resolvam suas próprias vidas.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Por que o mosquito Aedes aegypti transmite tantas doenças?

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Resistente e adaptável, Aedes aegypti é uma das espécies de mosquito mais difundidas no mundo

No mundo, ele é chamado de mosquito da febre amarela. No Brasil, é conhecido como mosquito da dengue – e, mais recentemente, também da zika e da chikungunya.
Considerado uma das espécies de mosquito mais difundidas no planeta pela Agência Europeia para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), o Aedes aegypti – nome que significa "odioso do Egito" – é combatido no país desde o início do século passado.
A partir de meados dos anos 1990, com a classificação da dengue como doença endêmica, passou a estar anualmente em evidência. Isso ocorre principalmente com a chegada do verão, quando a maior intensidade de chuvas favorece sua reprodução.
Agora, um novo sinal de alerta vem da epidemia de zika, uma doença com sintomas semelhantes aos da dengue, em curso desde o meio do ano.
Foi confirmado pelo governo federal que o zika vírus está ligado a uma má-formação no cérebro de bebês, a microcefalia, que já teve neste ano ao menos 1.248 casos registrados em 311 municípios em 14 Estados, a maioria deles no Nordeste.
O Aedes aegypti também esteve no centro de um surto de febre chikungunya ocorrido no país no ano passado, quando este vírus chegou ao Brasil e se espalhou com a ajuda do mosquito.
E, apesar de a febre amarela ter sido considerada erradicada de áreas urbanas brasileiras em 1942, casos de contaminação foram confirmados em cidades de Goiás e no Amapá em 2014.
"O Aedes aegypti está ligado ainda a males mais raros, do grupo flavivírus", afirma Felipe Piza, infectologista do hospital Albert Einstein.
"Entre os agentes de contaminação, esse mosquito é o que tem a capacidade de transmitir a maior variedade de doenças."

Eficiência

Alguns fatores contribuem para tornar o Aedes aegypti um agente tão eficiente para a transmissão desses vírus. Entre eles estão, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, sua capacidade de se adaptar e sua proximidade do homem.
Surgido na África em locais silvestres, o mosquito chegou às Américas em navios ainda na época da colonização. Ao longo dos anos, encontrou no ambiente urbano um espaço ideal para sua proliferação.
"Ele se especializou em dividir o espaço com o homem", afirma Fabiano Carvalho, entomologista e pesquisador da Fiocruz Minas.
"O mosquito prefere água limpa para colocar seus ovos, e qualquer objeto ou local serve de criadouro. Mesmo numa casca de laranja ou numa tampinha de garrafa, se houver um mínimo de água parada, seus ovos se desenvolvem."
Mas a falta de água limpa não impede que o Aedes aegypti se reproduza. Estudos científicos já mostraram que, nesse caso, a fêmea pode depositar seus ovos em água com maior presença de matéria orgânica.
Os ovos também podem permanecer inertes em locais secos por até um ano, e, ao entrar em contato com a água, desenvolvem-se rapidamente – num período de sete dias, em média.
"Outros vetores não têm essa capacidade de resistir ao ambiente", afirma Pizza, do Albert Einstein. "Por isso ele está presente quase no mundo todo, a não ser em lugares onde é muito frio."
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Ovos resistem por até um ano em locais secos e, uma vez em contato com água, desenvolvem-se rapidamente

Flexibilidade

Um aspecto que também favorece a reprodução é o fato de a fêmea colocar em média cem ovos de cada vez, mas não fazer isso em um único local. Em vez disso, ela os distribui por diferentes pontos.
"Quando tentamos exterminá-lo, é muito grande a chance de um destes locais passar despercebido", diz Carvalho.
Também se trata de um mosquito flexível em seus hábitos de alimentação.
O Aedes aegypti é, geralmente, diurno: prefere sair em busca de sangue pela manhã ou no fim da tarde, evitando os momentos mais quentes do dia.
"Mas ele é oportunista. Se não tiver conseguido se alimentar de dia, vai picar de noite. Isso não ocorre com o pernilongo, por exemplo, que é noturno e só vai aparecer quando o sol começa a se pôr", afirma a bióloga Denise Valle, pesquisadora do laboratório de biologia molecular de flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
Além disso, o mosquito costuma ter como alvos mamíferos, especialmente humanos. Como explica o agência europeia, mesmo na presença de outros animais ele "se alimenta preferencialmente do sangue de pessoas".

Simbiose

Por ser um mosquito urbano que fica em contato constante com o homem, ser muito adaptável e ter um apetite especial por sangue humano, o inseto se tornou um eficiente vetor para a transmissão de doenças.
"Todo ser vivo busca uma forma de se proliferar, e com os vírus não é diferente. Nestes casos, eles podem ser transmitidos por outros vetores, mas que não são tão efetivos", afirma Erico Arruda, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. "Eles (vírus) conseguiram no Aedes aegypti e na forma como este mosquito evoluiu uma relação de simbiose muito boa."
Para ser capaz de infectar uma pessoa, o vírus precisa estar presente na saliva do inseto.
Valle, do IOC/FioCruz, explica que, no caso da dengue, por exemplo, após oAedes aegypti picar alguém que esteja infectado, o vírus leva cerca de dez dias para estar presente em sua saliva.
"São poucos os mosquitos que vivem mais de dez dias. Mas, quanto menos energia ele precisa gastar para se alimentar e colocar ovos, mais tempo ele vive", diz Valle.
"Assim, o aglomerado urbano, com muitos locais de criadouro e muitos alvos para picar, faz com que o mosquito viva mais, favorecendo o processo de infecção."
A bióloga destaca ainda que se trata de um mosquito especialmente arisco: "Quando vai picar, se a pessoa se mexe, ele tenta escapar e picar outra pessoa. Se estiver infectado com algum vírus, vai transmiti-lo para várias pessoas".

Controle

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Mosquito chegou a ser erradicado duas vezes no Brasil no século passado
Exterminá-lo também é difícil. Segundo o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos, o Aedes aegypti é "muito resistente", o que faz com que "sua população volte ao seu estado original rapidamente após intervenções naturais ou humanas".
No Brasil, ele chegou a ser erradicado duas vezes no século passado. Na década de 1950, o epidemiologista brasileiro Oswaldo Cruz comandou uma campanha intensa contra ele no combate à febre amarela. Em 1958, a Organização Mundial da Saúde declarou o país livre do Aedes aegypti.
Mas, como o mesmo não havia ocorrido em países vizinhos, o mosquito voltou a ser detectado no fim dos anos 1960. Foi erradicado novamente em 1973 – e retornou mais uma vez três anos mais tarde. "Hoje não falamos mais em erradicação. Sabemos que isso não é possível", diz Valle, do IOC/Fiocruz.
"O país é muito grande e tem muitas entradas para o mosquito. Também há muito mais gente vivendo em cidades, e a circulação de pessoas pelo mundo com a globalização aumentou muito. Os recursos humanos e financeiros para exterminá-lo seriam enormes."
Uma forma comum de combater o mosquito, a de dispersar uma nuvem de inseticida – técnica popularmente conhecida como "fumacê" –, não é muito eficiente, pois o componente químico tem de entrar em um espiráculo localizado embaixo da asa. Portanto, o inseto precisa estar voando, algo difícil tratando-se de uma espécie que fica na maior parte do tempo em repouso.
"Na maior parte das vezes, isso é jogar dinheiro fora e gera mosquitos mais resistentes. Hoje, levamos de 20 a 30 anos para desenvolver um inseticida e, em dois anos, ele perde sua eficácia por causa do uso abusivo", afirma Valle. "E os químicos usados no controle de larvas não estão disponíveis para a população."
Carvalho, da Fiocruz Minas, ressalta ainda que 80% dos criadouros são encontrados em residências, e que realizar a prevenção e exterminar focos doAedes aegypti não é fácil.
"Quando temos uma epidemia, é mais simples conseguir o apoio da população, mas, fora deste período, é mais complexo sensibilizar as pessoas para a questão", afirma o entomologista. "Por tudo isso, acho muito complicado falar em erradicação. Talvez a melhor palavra seja controle."
Uma abordagem nova vem sendo testada na Bahia e em São Paulo. Machos transgênicos do Aedes aegypti são liberados na natureza e, no cruzamento com fêmeas comuns, geram larvas que morrem antes de atingir a fase adulta, o que, com o tempo, reduz a população do mosquito numa determinada área.
Responsável por testes realizados desde maio em Piracicaba, no interior paulista, a empresa Oxitec informou que os resultados estão sendo analisados por sua equipe técnica e que ainda não há uma previsão de quando serão divulgados