domingo, 16 de julho de 2017

COMO A COLÔMBIA CONSEGUIU REDUZIR A VIOLÊNCIA





A vacina antiviolência

Os casos de Bogotá e Medellín mostram que ela já foi inventada e não depende de pôr fim à miséria
OS ataques do PCC combinados às eleições tiraram o foco de um dos fatos sociais mais interessantes do país: a veloz e consistente redução do número de homicídios em São Paulo. Nos últimos cinco anos, a queda foi de 51%, devido, em boa parte, à evolução da segurança da região metropolitana e, especialmente, da capital, onde houve avanços nas áreas mais violentas.
Embora fundamental, o aprimoramento do policiamento não explica o fenômeno. Olhando mais de perto os bairros em que mais caiu a violência, vemos uma teia de ações que envolvem a mobilização comunitária, a atuação de entidades não-governamentais, o apoio de empresas, o trabalho com grupos de risco -os jovens-, as campanhas de desarmamento, a reforma de espaços públicos e a oferta de programas de complementação de renda.
Se o PSDB e seu candidato à Presidência, Geraldo Alckmin, têm motivos para apresentar os números da segurança como uma vitória, o PT também pode lembrar que programas seus na periferia de São Paulo, como a ampliação da renda mínima e a criação de áreas de convivência, exerceram impacto nos índices de homicídio. Uma das melhores experiências de segurança, no país, é Diadema, comandada por um petista.
Saber quem deve faturar ou não com um avanço social é compreensível num ano eleitoral. Mas, convenhamos, é uma visão medíocre. Digo isso pois acabo de voltar da Colômbia, onde fui conhecer experiências em Bogotá e Medellín, apontadas como as cidades mais violentas do mundo, hoje convertidas em laboratórios de paz. Apenas em Medellín, por exemplo, a taxa de assassinatos caiu em 90%; boa parte dessa queda ocorreu nos últimos três anos.
 
As duas cidades mostram que a vacina para reduzir níveis de violência, mesmo em lugares pobres, foi inventada e não depende de acabar a miséria. Isso significa que, apesar dos avanços em São Paulo, eles poderiam ser ainda mais profundos e rápidos. Significa ainda que o Brasil não precisa reinventar a roda para reduzir sua insegurança nas ruas.
Para nós, brasileiros, Bogotá e Medellín, com sua pobreza de Terceiro Mundo, são casos ainda mais interessantes que Nova York, onde a renda e o emprego são os de uma nação rica. Mais do que isso, a violência na Colômbia é extraordinariamente complexa, por misturar diversos grupos de guerrilheiros, narcotraficantes, paramilitares, gangues juvenis e assaltantes comuns.
A primeira lição que tiramos dali é: os três níveis de governo -nacional, estadual e municipal- trabalham articuladamente. O prefeito, o chefe da polícia, exerce forte papel na execução de planos de segurança. Essa é a prerrogativa dos prefeitos das regiões metropolitanas. Mas a polícia continua sendo nacional.
A cidade cobra o desempenho do prefeito em questões como roubo e furtos assim como sobre a limpeza das ruas e a qualidade de ensino.
 
Eles mexeram na polícia e no sistema prisional. Deram, por exemplo, cursos para carcereiros em universidades. Investiram em policiamento comunitário, mais próximo da população. Junto com a repressão, implementaram-se ações sociais que, mais uma vez, envolvem múltiplas frentes, como reformar espaços públicos, melhorar as escolas, criar centros de convivência comunitária, introduzir mecanismos de resolução de conflitos, focar em programas de inserção dos jovens.
Em Bogotá, melhorou-se o transporte público nos bairros mais pobres, abriram ciclovias, reservaram, em fins de semanas, as principais vias para pedestres, implantou-se uma gigantesca rede de bibliotecas. Parques foram feitos em áreas deterioradas. Usou-se das artes para gerar um senso de pertencimento entre jovens e como mecanismo para retomar as ruas. Os centros de recuperação de jovens infratores são tidos como exemplo mundial de eficiência, geridos, em contrato de gestão, por uma entidade privada.
Novamente acharemos, nessa rede, a articulação de vários níveis de poder, indo do bairro à Presidência.


Os habitantes de Bogotá e Medellín, apesar das conquistas, não estão satisfeitos, convencidos de que podem ir além, afinal a violência segue alta para padrões civilizados. E, aqui, outra lição: tornar a cidade habitável e segura não era e não é discurso de político em campanha, mas prioridade de todos, avaliada todo mês. A pressão não pára e faz do prefeito um educador da paz. O problema é menos de dinheiro que de competência administrativa e articulação local. Sem exagero, nenhum presidente, governador ou prefeito brasileiro pode se dar o direito de não conhecer como os colombianos desenvolvem essa vacina contra a violência. É uma questão de salvar vidas.
 

Prefeito "louco" mobilizou a sociedade

Filósofo, matemático e pedagogo, Antanas Mockus assumiu, em 95, a prefeitura de Bogotá e, em meses, determinou que bares fechassem mais cedo para reduzir riscos provocados pelo álcool. Apanhou não dos amantes das noitadas, mas porque a medida parecia sem importância numa cidade convulsionada pela guerra de quadrilhas, com 4.300 assassinatos por ano.
No auge da polêmica, ele levou um grupo de jovens ao cemitério; era exatamente o número dos que teriam morrido, segundo os cálculos da prefeitura, sem a "lei seca". Tirou uma foto deles na frente das covas e lembrou que, naquele momento, estariam não em cima, mas debaixo da terra. Virou a opinião pública a seu favor. "O crime é o resultado do fracasso da pedagogia." Por causa dessa idéia, tratou de adotar ações para mudar a cultura do morador e, assim, gerar um ambiente mais pacífico.
Não foram poucos os que o chamaram de "louco" e "palhaço" quando ele contratou mímicos. "O trânsito, com seus inúmeros acidentes, era o melhor reflexo de nossa selvageria." Os motoristas não tinham o hábito, por exemplo, de respeitar a faixa de pedestres. E, , entravam os mímicos, fazendo brincadeiras com os transgressores, obviamente constrangidos. As multas viriam mais tarde. A prefeitura distribuía centenas de milhares de cartões que mostrassem aprovação e desaprovação. "Rapidamente, as pessoas, em vez de xingar ou de sequer reclamar, mostravam os cartões. Crianças aprenderam a vaiar quem avançasse na faixa."
Para que todos visualizassem os traumas de trânsito, Mockus mandava pintar cruzes no asfalto exatamente no local em que ocorriam os acidentes. Criou o hábito de divulgar todos os meses, sem exceção, a estatística de homicídios na cidade, acompanhada pela opinião pública como se fosse resultado do campeonato de futebol.
Tal atitude educativa, segundo ele, deveria ser levada para atividades da cidade. Os centros de recuperação de jovens infratores são tidos como modelo mundial -extremamente focados na aprendizagem e administrados por uma entidade privada.

A força da biblioteca
Além das medidas repressivas, preventivas e educacionais, implementaram-se reformas urbanas nos bairros mais pobres, alguns deles nas montanhas, totalmente isolados. Construíram-se escadas, promoveu-se a coleta do lixo, escolas foram ampliadas, abriram centros de saúde e ofereceu-se um sistema de transporte -em alguns casos, de teleférico.
Para acompanhar, em detalhes, a evolução de cada indicador, nasceu um entidade civil chamada "Como Vamos Medellín", cujos resultados são amplamente divulgados pela mídia. É uma espécie de termômetro para medir qualidade de vida, em que se contabilizam desde seqüestros, roubos, furtos até evasão escolar, gravidez precoce, renda dos trabalhadores e desemprego.
Neste momento, estão construindo numa das regiões mais pobres uma imensa biblioteca, em meio ao verde para servir de ponto de encontro tanto quanto de leitura. A idéia é que, em cada bairro, o principal centro seja uma biblioteca. "Achamos que quem gosta de ler não gosta de matar", aposta Salazar.

Impacto do urbanismo
Os projetos urbanísticos recuperaram a região central de Bogotá, tão deteriorada como as das grandes cidades brasileiras -e isso atraiu mais pessoas para as ruas. Praças foram criadas ou reformadas. Aos domingos, as principais vias são fechadas ao trânsito, agora exclusivas para pedestres e ciclistas.
Assim com em Medellín o epicentro da violência estava na Comuna 13, em Bogotá a concentração se repetia num bairro com o sugestivo nome de Cartucho -a versão ainda mais piorada da Cracolândia, em São Paulo. Avaliou-se que ali não havia mais jeito. O poder municipal transformou toda aquela área em um imenso parque e tratou de encaminhar seus moradores para outros locais.
Para preencher essas regiões recuperadas, a prefeitura decidiu promover constantes shows de música, entre várias outras ações culturais como festivais de teatro e de dança. Os efeitos dessas iniciativas eram vistos no surgimento de uma nova vida noturna, antes limitada porque as famílias tinham medo de sair de casa.
Evidentemente essas medidas seriam frágeis se não tivessem aumentado o número de policiais e aprimorado seu treinamento -passaram a receber cursos na universidade-, não fossem implantados núcleos de policiamento comunitário e não se sofisticassem os controles na prisão para reduzir a força do crime organizado. Houve um treinamento específico para os carcereiros. Foi fundamental o esforço dos governantes em tentar desarmar a guerrilha e os paramilitares.
Mas a engenharia social de Bogotá é ainda mais complexa, e, como em Medellín, motivada por um trauma coletivo. É a sensação de um colapso provocado pela generalização da violência estimulada pela junção de narcotraficantes, paramilitares, guerrilheiros e quadrilhas. Tudo isso se potencializava nos bairros pobres, com seus jovens desempregados, baixa escolaridade, desestrutura familiar, violência doméstica, falta de opções de lazer, gravidez precoce. "Sentíamos que não tínhamos tempo a perder. Tudo parecia urgente", conta a jornalista colombiana especializada em violência Bibiana Mercado, agora na ONU. Estavam em Bogotá muitos dos alvos dos cartéis de Cali e, especialmente, de Medellín. Políticos, promotores, juízes, jornalistas eram mortos rotineiramente.

Pactos com a guerrilha
Diante do emaranhado de fontes de violência, apenas uma ofensiva simultânea em vários flancos teria alguma chance de funcionar, a começar de um pacto político com as forças clandestinas.
O chefe de Luiz Blandon, o ex-combatente das Farc, hoje com seus livros distribuídos em pontos de ônibus, é o advogado Darío Villamizar, ex-guerrilheiro do M-19. No passado, o M-19 destruiu o prédio da Suprema Corte e matou 70 pessoas, entre elas 11 juizes. "Aprendemos que a paz era o melhor caminho", conta Villamizar, responsável pela inserção na sociedade de ex-guerrilheiros e paramilitares que abandonaram as armas. "O que fazemos é transformá-los em empreendedores para que toquem sua vida."
Depois de abandonar as armas, líderes do M-19 montaram o "Observatório da Paz". Um de seus programas, dirigido por Vera Grabe, é disseminar a cultura do entendimento e do diálogo nos bairros mais violentos. "Sabemos o impacto positivo que se alcança quando aproximamos as crianças e os jovens da cultura. A música, a dança, o teatro, as artes plásticas, a comunicação prestam-se como fonte de realização e vacina contra a marginalidade", diz.
Para ajudar a disseminar esse tipo de ação, o Unicef sedia um projeto chamado "Aliança para a Paz". Coletam-se as mais diversas experiências, que são sistematizadas, formando um banco de êxitos a ser compartilhado nos diferentes níveis de governo. A Secretaria de Educação de Bogotá, por exemplo, mantém um laboratório de pedagogia comunitária, cuja missão é transferir todo esse conhecimento para a rede de ensino -ela integra a lista de entidades associadas da "Aliança para a Paz".

Pela educação
Melhorar a educação formal foi um dos ingredientes do plano amplo contra a violência. O poder público se empenhou em aumentar a matrícula, reduzir a evasão e, através do treinamento para os professores, oferecer melhor qualidade de ensino. Bogotá é o epicentro, na América Latina, da idéia de Cidade Educadora, segundo a qual todos os serviços públicos e privados da cidade devem estar conectados às escolas.
Os empresários de Bogotá acreditaram que poderiam fazer a diferença na questão educacional, interessados diretos na questão da segurança, afinal viviam ameaçados, e na produção de mão-de-obra qualificada. "Nossa contribuição foi focada na gestão, que é o que mais entendemos", afirma Guilhermo Carvajalino, principal executivo do movimento "Empresários pela educação".
Os últimos cinco prefeitos eleitos de Bogotá - antes eram indicados- tiveram a assessoria ininterrupta dos técnicos indicados pelo grupo de empresários. Isso explica, em parte, por que o nível educacional da cidade, medido em testes, é o mais elevado do país.