sexta-feira, 23 de março de 2018

CORAGEM SELETIVA ESCANCARA A COVARDIA DO TSE.

Ao cassar os mandatos de Marcelo Miranda e Claudia Lelis, governador e vice-governadora de Tocantins, o Tribunal Superior Eleitoral demonstrou o tamanho de sua coragem. Verificou-se que a coragem do TSE é pequena, muito pequena, diminuta. Tão diminuta que se parece muito com covardia. Os mandatos das autoridades máximas do Tocantins foram passados na lâmina porque descobriu-se que a campanha de ambos captou R$ 1,5 milhão no caixa dois. Essa cifra é cem vezes menor do que os R$ 150 milhões em verbas sujas que a Odebrecht borrifou na caixa registradora da campanha de Dilma Rousseff e Michel Temer.

Em essência, os casos envolvendo a chapa de Tocantins e a chapa federal são muito semelhantes. Os dois processos trataram do crime de abuso de poder econômico na campanha de 2014. Em ambos verificou-se a existência de caixa dois. Num, o TSE foi destemido. Noutro, foi de uma covardia histórica. A coragem da Justiça Eleitoral só se manifesta quando está em jogo os mandatos de gestores de Estados periféricos, prefeitos dos fundões do país e políticos sem expressão.

O processo contra a chapa Dilma-Temer poderia ter representado um marco saneador na história da República. Mas, em vez de promover a limpeza, fixando novos parâmetros de assepsia, a turma do deixa-disso preferiu acomodar o lixo sob o imenso tapete nacional. Com o governo do Tocantins, o TSE foi implacável. Quando tratou do Palácio do Planalto, o tribunal ignorou as provas e pediu aos brasileiros que tapassem o nariz em nome da estabilidade da República. Salvo pelo gongo, Temer tornou-se o primeiro presidente da história a ostentar duas denúncias e dois inquéritos por corrupção. E Dilma ameaça o país com uma candidatura ao Senado.


quinta-feira, 22 de março de 2018

PIOR SITUAÇÃO DESDE 1900: Morre um dos mais populares mitos brasileiros: o da abundância de água

A desigualdade no Brasil se vê em distribuição de renda, gênero e raça. Mas se torna invisível quando se trata do recurso mais essencial, a água. Nenhum país é mais rico; possuímos 12,8% do volume da Terra. Mas a abundância concentra-se nos rios da Amazônia, região com 80% dos reservatórios e só 7% população. As áreas litorâneas, onde vivem 45% dos brasileiros, dispõem de menos de 3% dos recursos, mostra a Agência Nacional de Águas (ANA). Sob o mito da abundância, sepultado por especialistas, em 20 anos o volume de água retirado de nossos 12 mil rios aumentou 80%. A estimativa é que até 2030 cresça 30%. Mas não há, literalmente, clima para isso ocorrer. Nos últimos seis anos, a escassez predominou, com crises hídricas no Sudeste e a maior seca registrada desde 1900 no Nordeste.

No Brasil do século XXI, água abundante tem; mas acabou para a maioria. Entre 2013 e 2016, a seca deixou em situação de emergência 2.783 municípios brasileiros, ou metade das nossas cidades (84% no Nordeste). As vidas de 48 milhões de pessoas, praticamente um quarto dos brasileiros, foram afetadas, revela a “Conjuntura de Recursos Hídricos do Brasil 2017”, da ANA.

— O brasileiro crê no mito da disponibilidade ilimitada de água, que, na verdade, é mal distribuída e escassa onde há mais demanda. A seca só agrava uma crise que a degradação e o mau uso provocaram. Todas as nossas grandes cidades têm problemas. Transposições mirabolantes não farão milagre. Faltam planejamento e gestão. A água tem custo econômico, que ninguém quer pagar. Passou da hora de encarar a realidade — afirma José Galizia Tundisi, grande estudioso dos recursos hídricos do Brasil.

Nos últimos seis anos, o país registrou chuvas acima da média no Sul e abaixo em Sudeste, Nordeste, parte do Centro-Oeste e até na Amazônia. O desequilíbrio é condizente com um cenário de mudança climática permanente, que aponta, por exemplo, à desertificação de 50% do semiárido brasileiro nas próximas décadas.

— Há uma tendência muito preocupante de extremos climáticos, com chuva concentrada e seca prolongada. Isso é péssimo para a oferta de água — adverte Carlos Nobre, um dos mais respeitados climatologistas do país.

SOLUÇÃO NÃO ESTÁ SÓ NA ENGENHARIA

Para os cientistas, rogar aos céus por chuva não adianta, pois problema e solução estão na terra. A crise hídrica é um legado de décadas de uso e exploração descontrolados, como por exemplo pela agropecuária, que utiliza 78,3% dos 1.081,3 metros cúbicos de água por segundo consumidos no país e é responsável pelo lançamento de agrotóxicos em aquíferos.

— Temos uma agricultura que avançou em produção, mas ainda engatinha em uso da água — explica Marcos Freitas, coordenador do Instituto Internacional de Mudanças Globais (IVIG).

A crise também alimenta-se do saneamento rudimentar, já que apenas 44% dos brasileiros têm esgoto tratado. O desperdício de água — evidenciado em costumes como lavar a calçada, mas também nos 35% de perda com vazamentos nas redes de abastecimento — é outro fator importante a ser combatido.

— A água seria suficiente se não fosse desperdiçada e usada sem planejamento — diz Tundisi.

Para Anivaldo Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, “o Brasil continua na década de 20 do século passado no que diz respeito ao uso da água”:

— O país acha que solução para escassez é fazer obras caras de engenharia. Se formos resolver todos os problemas com transposições, daqui a pouco estaremos buscando água na Amazônia, e sem resolver a crise hídrica.

Para ajudar o Brasil a fazer a travessia deste século da escassez, o GLOBO percorreu 4 mil quilômetros de Rio, Bahia, Pernambuco, Goiás e Distrito Federal e inicia hoje, Dia Mundial da Água, uma série especial sobre a crise hídrica. Até o domingo, na edição impressa e em ambiente especial no site, que contará com conteúdos ampliados e exclusivos, reportagens vão explorar causas e consequências da destruição ambiental, da utilização desregulada dos recursos naturais e do descaso com saneamento, e discutir soluções.


sábado, 17 de março de 2018

Violência contra vereadores e prefeitos resulta em pelo menos 40 mortes por assassinato desde 2017

A violência contra vereadores, ex-vereadores, prefeitos e ex-prefeitos resultou em pelo menos 40 mortes no Brasil na atual legislatura, segundo registros em reportagens do G1 publicadas entre 2017 e 2018 .

Dos 40 casos, em dois há características de execução por motivação política: o de Francisco Vicente de Souza, prefeito de Candeias do Jamari (RO), e o de Jucely Alves Arrais, vereadora de Aiuaba (CE).

No primeiro, entre os réus condenados está o mandante do crime. O Ministério Público o acusou de planejar a morte do prefeito por ter ficado contrariado com uma decisão administrativa. O mandante, segundo o MP, foi financiador da campanha do prefeito. No de Jucely, o cunhado dela havia sido assassinado meses antes do crime. Dois meses depois do assassinato da vereadora, o marido dela foi morto.

Em outros nove, a possibilidade de crime político é considerada pela polícia. Outros dez casos são relacionados a brigas por motivações diversas, como brigas por dinheiro e desentendimentos pessoais.

Nesta semana, a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) foi assassinada a tiros no Rio de Janeiro. Ela foi a 40ª vítima (veja lista com todos os casos ao final desta reportagem).

Além desses 40, o G1 também registrou no período os assassinatos de dois suplentes de vereador (Roberto da Conceição Margarido, de Itatiaia-RJ, e Ueliton Brizon, de Cacoal-RO) e um ex-vice-prefeito (José Roberto Soares Vieira, de Ourolândia-BA).

A morte de Marielle levou milhares de pessoas às ruas em todo o país em protestos contra o assassinato e a onda de violência na cidade. O Ministério Público avalia pedir a federalização das investigações. O governo federal diz que concentrará "todos os esforços" para identificar e prender os assassinos.

O PSOL, partido ao qual Marielle Franco era filiada, informou ter registrado, desde 2016, 24 mortes de pessoas ligadas a movimentos sociais (quilombolas, indígenas, sindicalistas, MST, etc.) em razão das atividades políticas desenvolvidas por elas.

Em 2016, somente no período eleitoral, a violência contra candidatos atingiu pelo menos 17 estados e levou a 28 mortes. À época, 25 mil militares das Forças Armadas foram destacados para fazer a segurança das eleições, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pediu à Polícia Federal queinvestigasse os crimes.


Em 2016, somente no período eleitoral, a violência contra candidatos atingiu pelo menos 17 estados e levou a 28 mortes. À época, 25 mil militares das Forças Armadas foram destacados para fazer a segurança das eleições, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pediu à Polícia Federal queinvestigasse os crimes.


Crime 'mais estruturado'

Pesquisador do Grupo de Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o doutor em sociologia Francisco Amorim afirmou ao G1 que assassinatos de políticos e de lideranças de movimentos sociais ocorrem com maior frequência em locais onde o crime organizado "está mais estruturado" e tenta impor as próprias regras.

"Essas execuções acontecem em momentos em que há uma disputa pelo controle social da população de modo mais amplo, quando se tenta intimidar não só o adversário, grupo rival ou polícia, mas também a sociedade. É a tentativa de impor uma regra paralela tão ou mais poderosa do que a regra legal", afirmou.

Amorim lembrou, ainda, que Colômbia e México registram ondas de execuções de políticos e jornalistas, ligadas ao tráfico de drogas.

"Não é só marcar território, intimidar ou silenciar uma voz, é dar um recado para toda a sociedade de que a regra paralela é mais forte", disse.

O pesquisador destacou que, muitas vezes, as ações passam por relações de organizações criminosas que contam com integrantes que estão em instituições legais.

"As execuções podem ser realizadas não só por gente completamente na ilegalidade, como traficantes, mas por pessoas que operam no mundo legal e cometem ilegalidades", ponderou.

'Déficit civilizatório'

Após a morte de Marielle Franco, o presidente do TSE, Luiz Fux, avaliou que o assassinato demonstra o "déficit civilizatório".

"Ficamos chocados com essa notícia, que no mundo de hoje se tente calar a voz política através de uma atitude que demonstra baixíssimo déficit civilizatório nesse campo. Manifestar solidariedade aos familiares e amigos que nesse momento passam intensa dor. Peço licença para enviar a todas as pessoas que lutaram por um Brasil melhor, sem desigualdades e mais justo, nosso abraço sentido e sofrido", afirmou o ministro.

Mortes de políticos

Veja a lista dos políticos municipais assassinados desde o ano passado, segundo registros em reportagens do G1:

2017

Marcos Santos Rocha, ex-prefeito de Pau Brasil (BA) Alexandro Pereira da Silva, vereador de Santa Helena de Minas (MG)Marcos Fernandes, ex-prefeito de Umarizal (RN)Francisco Vicente de Souza, prefeito Candeias do Jamari (RO)Claudeir dos Santos, ex-vereador de Poço Redondo (SE)Élpido da Silva Meira, ex-vereador de Colniza (MT)Antônio Marcos dos Santos, vereador de Santo Antônio do Monte (MG)Paulo Chaves Marinho, vereador de Rio Maria (PA)Diego Kolling, prefeito de Breu Branco (PA)Nilson Pereira de Toledo Filho, ex-vereador de Borda da Mata (MG)Jones William, prefeito de Tucuruí (PA)Manoel Francisco Soares Almeida , vereador em Pau d'Arco (PA)Adelmo Rodrigues de Melo, vereador em Batalha (AL)Fabiano de Freitas Figueiredo, vereador de Guará (SP)Tony Pretinho, vereador em Batalha (AL)Antônio José Denadai, ex-vereador de Vitória (ES)Esvandir Antônio Mendes, prefeito de Colniza (MT)Manoel Mariano de Sousa, ex-prefeito de Barra do Corda (MA)Kedson Rodrigues, vereador de Governador Nunes Freire (MA)Jailton Martins de Carvalho, vereador de Carira (SE)Wilson Portilho da Cunha, vereador licenciado de Goianésia (GO)Jucely Alves Arrais, vereadora de Aiuaba (CE)Cristóvão Silveira, ex-vereador de Campo Grande (MS)Ademir Carlos Patel, vereador de Brunópolis (SC)José Roberto Cavalcante, vereador de Tomé-Açú (PA)Nerivan de Oliveira Silva, vereador de Craíbas (AL)Miguel Sampaio Soares, vereador de Anajatuba (MA)Erialdo Araújo Feitosa, ex-verador de Juazeiro do Norte (CE)Eliseu de Souza Leal, ex-vereador de Santa Maria do Oeste (PR)Edilson Ferreira dos Santos, ex-vereador de São Miguel do Tocantins (TO)Neuri Carlos Persch, ex-prefeito de Ministro Andreazza (RO)Luiz Carlos Machado, ex-prefeito de Porto Alegre do Norte (MT)José Paulo da Silva, ex-prefeito de Mogeiro (PB)

2018

Adriano Ribeiro dos Santos, ex-vereador de Erechim (RS)Aldair Silva Andrade, ex-vereador de Porto Seguro (BA)Jorge Cunha, vereador de Apicum-Açu (MA)Everaldo Batista, ex-vereador de Parintins (AM)Elton Alexandre de Aguiar Matta, vereador de Barra do Jacaré (PR)Miguel Calixto, vereador de Barra do Jacaré (PR)Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro (RJ)


INVESTIGAÇÃO Maioria das balas usadas pelo crime é fabricada no Brasil e tem uso restrito

Munições como as que mataram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes – balas de calibre 9 milímetros da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) – são o retrato do que está nas mãos de criminosos no Rio: produzidas no Brasil e de uso restrito.

Estudo do Instituto Sou da Paz sobre apreensões das polícias fluminenses de 2014 a 2017 mostrou que 27,4% eram de 9 mm e, no ano passado, 70% das munições eram consideradas de uso exclusivo de forças de segurança, como a Polícia Federal e as Forças Armadas. 

Ontem, o Instituto voltou a reforçar a importância da melhoria de mecanismos que permitam a rastreabilidade da munição para contribuição a investigações criminais. Gerente da área de Sistemas de Justiça do Sou da Paz, Bruno Langeani lembrou que a obrigatoriedade de marcação dos lotes nos estojos adquiridos por forças de segurança pública foi firmada pelo Estatuto do Desarmamento, promulgado em 2003. “O que foi obtido com o estatuto foi um avanço brutal porque antes havia uma resistência”, disse.

Esse tipo de rastreio já havia sido usado, por exemplo, para obter provas contra os policiais que acabaram condenados no caso da juíza Patrícia Acioli, morta em agosto de 2011.

Os três calibres que aparecem em maiores volumes na análise das apreensões no Rio foram 9 milímetros (calibre restrito de pistolas e submetralhadoras), 7,62mm (calibre restrito encontrado principalmente em fuzis) e calibre .38 (calibre permitido predominante em revólveres). 

Na soma dos quatro anos em que as apreensões foram analisadas, o predomínio das munições restritas sobre as de calibre permitido para compra por civil autorizado, por exemplo, é 64% ante 36%. 

Nacional. Nos números de 2014, único ano em que foi possível observar a marca do material, notou-se que 42% das apreensões se referiam a balas da CBC, em 28% não podia ser identificado e em 7% dos casos vinha do México ou Estados Unidos. 

No total, as polícias tiraram de circulação no período 548.777 munições, o equivalente a 430 balas por dia ou uma para cada 30 habitantes do Estado. 

“Enquanto todos ficam falando que (a munição) vem do Paraguai, notamos um elo importante entre o mercado legal e ilegal dentro do País. E, em um momento que a intervenção é liderada por um general, é importante lembrar que a atribuição primeira de fiscalização de armas e munições no País é do Exército”, disse Langeani.

Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rafael Alcadipani, a informação sobre o lote da munição no caso Marielle deve ser tratada com cuidado. “Ter acesso à munição no Brasil é ilegal, então ela só pode ter vindo de um clube de tiro ou das polícias. O dado por si só não é conclusivo e necessita de mais apuração. O crime vai tentar conseguir munições que um dia foram legais e essa não é uma área extremamente controlada, como deveria ser.”