sábado, 13 de fevereiro de 2016

David Uip: “Só se fala do vírus zika, mas o chikungunya é uma encrenca"

O secretário estadual de saúde de São Paulo fala a ÉPOCA sobre os danos do vírus que provoca dores articulares prolongadas e até perda auditiva
O secretário estadual de Saúde de São Paulo, David Uip (Foto: Rogério Gomes / BrazilPhoto Press / Ag. O Globo)
ÉPOCA – A população está apavorada com o zika, mas parece minimizar os danos provocados por outros vírus transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti. É um erro?
David Uip – Ninguém fala do chikungunya. Isso é uma encrenca do tamanho do mundo. Estou vendo gente com sintomas há mais de seis meses. As pessoas só estão preocupadas com o zika. Temos 133 casos registrados. Muitos com complicações importantes. Perda auditiva em adulto, dores articulares. Atendi um paciente no consultório com sorologia positiva para dengue, chikungunya e exame genético para zika vírus. Mas o quadro clínico dele é de chikungunya.
ÉPOCA – Como assim? Ele pegou os três vírus?
Uip –  Não. Acho que ele só tem chikungunya. Quando fazemos os exames para as outras arboviroses, eles dão falso positivo. Só que tudo isso é novo. É um aprendizado para todo mundo. Esse paciente é paulista e trabalha no interior de Pernambuco. Teve perda auditiva comprovada. São casos complicados.
ÉPOCA – O zika vírus vai se espalhar como o da dengue?
Uip – Se é verdade que o zika é um sorotipo só, em tese ele será menos endêmico que o vírus da dengue. Mas isso só o tempo vai dizer. O anticorpo anti-zika vírus confere imunidade definitiva? Ou não? Ninguém sabe ainda se uma pessoa que pegou zika pode se infectar novamente. 
ÉPOCA – O Brasil está perdendo a guerra contra o mosquito?
Uip – É um momento muito difícil. Precisamos de providências excepcionais. Há 113 países com dengue. Não dá para achar que é um problema regional. Esse é um problema mundial.
ÉPOCA – O que deixou de ser feito?
Uip – Muitas coisas. Para o Brasil chegar ao nível adequado de cuidados sanitários vai demorar 50 anos. Não se investiu. A população é desassistida. Faltam cuidados, investimento em pesquisa, inovação e tecnologia. São coisas que não aconteceram nos últimos 50 anos e agora nós estamos pagando a conta.
ÉPOCA – Recentemente, o professor José Guedes, ex-secretário estadual de saúde, disse que a coisa mais constante feita no Brasil para o combate à dengue foi a inconstância. Qual é o exemplo principal dessa inconstância?
Uip – O financiamento é inconstante. Não tenho a menor dúvida. Precisamos de qualidade de informação e constância. Esse é o desafio. Não adianta ter no estado de São Paulo se o entorno não tiver. Não adianta ter no Brasil se os países vizinhos não tiverem. Precisamos de uma ação global. Desta vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) está se importando no tempo adequado. Não foi assim no passado. Agora todo mundo está dando a devida seriedade para isso.
ÉPOCA – Faltam recursos do governo federal?
Uip – O ministro Marcelo Castro foi claro ao dizer que não faltarão recursos. Recurso é fundamental, mas saber usá-lo é tão importante quanto. Não podemos sair fazendo coisas que não vão surtir nenhum efeito. Tem desafios que são insuportáveis.
ÉPOCA – O Ministério da Saúde estabeleceu como meta visitar 100% das casas até fevereiro para o combate à dengue. O que o sr. acha disso?
Uip – É um desafio enorme. Estamos tentando. Estamos seguindo toda a política ministerial.
ÉPOCA – É factível?
Uip – Acho que não é simples. Fizemos uma experiência boa num final de semana. Visitamos 450 mil residências, mas para isso nós colocamos a Defesa Civil, Exército, Polícia Militar, Igrejas, escoteiros. Autoridade pública, nós sozinhos, nem pensar. A Defesa Civil entrando é interessante. A Defesa Civil faz parte da sociedade e é muito bem vista. Estamos aumentando muito os agentes comunitários. Vamos começar a pagar hora extra aos sábados para agentes comunitários. Estamos fazendo o possível para atender essa necessidade. Mas é um enorme desafio.
ÉPOCA – No ano passado, o estado de São Paulo viveu uma epidemia recorde. Qual é a autocrítica que o sr. faz?
Uip – O Estado fez o melhor possível dentro daquilo que ele estava acostumado a fazer. E ficou claro que foi insuficiente. São Paulo foi poupado das grandes epidemias nacionais. De repente, o mosquito chegou ao estado e atingiu uma população que não esteve exposta antes. É tudo o que o vírus da dengue quer. O que aconteceu? Principalmente os municípios com menos de 10 mil habitantes sofreram muito. Isso gera, praticamente, um esgotamento da população suscetível nessas cidades. Nos municípios grandes foi diferente. Em 2014, houve uma epidemia em Campinas. Quando olhamos o mapa, dá para ver que atingiu metade dos bairros. Repicou em 2015 na outra metade. Outro dado interessante: em janeiro de 2015, tivemos 57 mil casos notificados. Em janeiro de 2016, tivemos 9 mil casos.
ÉPOCA – O que isso significa?
Uip – Olhando com cuidado é uma boa notícia, mas há outra coisa que nos preocupa. O sorotipo 1 do vírus da dengue é o que prevalece em São Paulo. Ele responde por 99% dos casos da doença. Mas o sorotipo 2 está entrando no estado. A população resistente ao sorotipo 1 é suscetível aos demais sorotipos: o 2, o 3 e o 4. Cada vez que uma pessoa tem dengue, o percentual de gravidade cresce. Aumenta o risco de dengue hemorrágica. A resposta do organismo já ocorreu na primeira infecção. A memória imunológica pode causar uma hipereação.
ÉPOCA – E agora? Como o estado vai se portar diante disso?
Uip – Estamos tomando atitudes excepcionais para enfrentar o mosquito. Exército, Polícia Militar, convocação dos estudantes universitários, escoteiros. Uma mobilização da sociedade inteira. 
ÉPOCA – O combate à dengue é uma atribuição dos municípios. O Estado vai destinar verbas para que as cidades consigam cumprir as metas de combate ao mosquito?

Uip – Vamos pagar as diárias dos sábados dos agentes comunitários dos municípios que aderirem ao programa. É um recurso enorme. Estamos estimando em mais de R$ 50 milhões só nisso

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