sábado, 2 de maio de 2015

A Guerra de Renan contra Dilma

Por Josias de Souza

Renan Calheiros pertence a uma linhagem especial de políticos cuja primeira característica é considerar que todos são culpados pelas crises, exceto ele. Autoconvertido em aliado tóxico do governo, o presidente do Senado atribui a Dilma Rousseff suas desavenças com o Palácio do Planalto. Ele acusa a chefe do Executivo de envolvê-lo num enredo de intrigas. Em reação, tornou-se um truculento guerrilheiro legislativo.
Dilma reacendeu o pavio de Renan ao trocar o comando do Ministério do Turismo. Chefiava a pasta Vinicius Lages, afilhado político do senador. Entrou no lugar dele o ex-deputado Henrique Eduardo Alves, preferido do vice-presidente Michel Temer e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Renan se diz incomodado com a falta de método de Dilma, não com a perda do ministério.
Em privado, Renan conta que, antes de exonerar Vinicius, Dilma chamou o ministro para uma conversa em seu gabinete. Elogiou-lhe o desempenho e informou que não cogitava desalojá-lo da pasta do Turismo. Fez isso por opção, não por pressão. “Eu não pedi nada”, diz Renan. A segunda característica do senador é o desprendimento. Munido de autocritérios, ele se considera um altruísta. É como se os cargos lhe caíssem no colo sem que ele os reivindicasse.
O problema é que Dilma já havia prometido o Ministério do Turismo a Henrique Alves, que passou a cobrar o compromisso depois que seu nome foi excluído do rol de suspeitos da Lava jato. Espremida, a presidente chamou Renan para uma conversa. Lero vai, lero vem intrigou-o com o vice-presidente.
Dilma dissera a Temer que mantinha Henrique Alves no freezer porque Renan guerreava pela permanência do afilhado político Vinicius Lages. Na conversa com Renan, alegou o oposto. Era Temer quem pegava em lanças pelo amigo Henrique. A presidente perguntou a Renan como deveria proceder para dissolver o impasse. O senador aconselhou-a a acionar a barriga.
Nessa versão, Dilma deveria acomodar Henrique Alves numa vice-presidência do Banco do Brasil. Coisa temporária. Duraria de 60 a 90 dias. Tempo suficiente para dissolver o impasse. A presidente refugou a sugestão de Renan. Alegou que Temer lhe dissera que ficaria desmoralizado se a troca de guarda do Turismo não fosse efetivada. Contou que Temer lhe exibira seis e-mails que recebera de Henrique Alves cobrando sua nomeação.
Submetido à intriga, Renan passou a enxergar inimigos em cada sala do Planalto, inclusive na de Dilma e na de Temer. Sua irritação aumentou na proporção direta do esforço empreendido pela presidente e seu vice para adulá-lo. O Planalto ofereceu cargos de consolação para Vininicus Lages. Renan preferiu alojá-lo no gabinete da Presidência do Senado.
Súbito começaram a gotejar no Diário Oficial da União nomeações de apaniguados de Renan. Um amanheceu presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Outro acordou diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Tudo isso num instante em que o presidente do Senado posava para os holofotes enrolado na bandeira da redução do número de ministérios e de cargos de confiança, nomeados sem concurso.
Renan explodiu à sua maneira. Intensificou as mordidas em Dilma sem exigir a demissão de nenhum de seus afilhados. E classificou o coordenador político Temer de gerente de Recursos Humanos, mero distribuidor de “cargos e boquinhas”. De aliado, o senador converteu-se numa espécie de líder informal da oposição. Ameaça virar do avesso o ajuste fiscal do governo, que tachou de “desajuste”.
O mais irônico é que os acessos de raiva de Renan causam vergonha e remorso no Planalto. A própria Dilma precisa explicar por que se empenhou tanto para fazer de Renan, em fevereiro, presidente do Senado pela quarta vez.
Dilma já sabia que, àquela altura, o aliado era um inquérito esperando na fila da Operação Lava Jato para acontecer. Também sabia que, alvejado por uma investigação no STF, Renan seria um político sujeito às suas vinganças. Dar-lhe mais autoridade era colocar a espada nas mãos de um furioso, era expor o governo a muitos inconvenientes. A guerrilha legislativa mal começou.

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